2º Fórum Brasileiro dos Direitos da Natureza

Como representante do Centro Internacional de Água e Transdisciplinaridade – CIRAT, participei entre os dias 6 e7 de outubro do 2º Fórum Brasileiro dos Direitos da Natureza, uma realização da Articulação Nacional pelos Direitos da Natureza – A Mãe Terra, no município de Ilhéus – Bahia. Como resultado de um movimento iniciado em 2015 pela OnG MAPAS, em 2018 foi organizado o 1º Fórum Brasileiro dos Direitos da Natureza, no município de São Paulo. Esse encontro inspirou a promulgação da primeira lei brasileira de reconhecimento os direitos da Natureza, no município de Bonito – PE (2018) e, a partir da criação da Articulação Nacional pelos Direitos da Natureza, a Mãe Terra, foram promulgadas as leis de Guajará-Mirim/RO e Cáceres/MT e o reconhecimento do Rio Laje – RO como o primeiro rio brasileiro como sujeito de direitos.

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Assembleia da Terra Brasil

O 2º Fórum foi reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), como evento preparatório para o início da construção da Assembleia da Terra Brasil, que será convocada pela ONU em abril de 2024, visando a construção coletiva dos direitos da natureza, que deverão serem debatidos globalmente, internalizados e promulgados em uma Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra em sintonia e interação com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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Amplo diálogo

O Fórum avançou no diálogo com comunidades indígenas e quilombolas, com as universidades e movimentos sociais, todos articulados pelo propósito comum de convivência harmoniosa entre todas as comunidades de Vida.  Lideranças de 23 aldeias dos povos originários do Sul da Bahia, lideranças indígenas da Amazônia e do Rio Grande do Sul e representantes de populações quilombolas marcaram o sentido e a linguagem comum na condução das discussões do 2º Fórum. A confluência de saberes mimetizou a interação ecológica que sustenta os ecossistemas e os ciclos da natureza.

O primeiro dia do encontro foi sediado na Aldeia Tukun com uma programação planejada e conduzida por lideranças da comunidade Tupinambá. Os ritos de invocação do sagrado e de louvação à Mãe riscados no chão de areia branca da aldeia deram início a um fluxo circular de comunicação. O bastão da palavra foi compartilhado com todos caciques e lideranças presentes, em um tempo cíclico marcado pelo compartilhamento e pela força do diálogo.

Direitos da Mãe Terra

Desse círculo fraterno e fecundo foi consenso que as pautas do caminho adiante após esse encontro devem se orientar pelos Direitos da Mãe Terra. O documento final do 2º Fórum afirma: “Os Direitos da Natureza precisam de maior visibilidade e reconhecimento em legislações de âmbito nacional e internacional para garantir sua proteção integral e promover o restabelecimento das relações em harmonia entre seres humanos e não humanos”. Em outro parágrafo reconhece que “não há como dissociar os direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, dos direitos da Natureza. A concepção e as relações deles com a Natureza, que são de cuidado, reverência e fundamento de suas culturas, cosmovisões e organização social, são a própria base dos Direitos da Natureza.”

Além de reivindicar “políticas públicas que deem eficácia aos Direitos da Natureza e possibilitem a vida em harmonia, tais como aquelas voltadas à agroecologia e à energia renovável socioambientalmente responsável”, a mensagem final do 2º Fórum conclama pelo” reconhecimento dos Direitos dos Rios e sua biodiversidade, destacando o Rio São Francisco, como representante de todos os Rios por sua importância na manutenção da diversidade da vida nesse corredor biocultural”.

Compartilhamento de saberes

Orientado pelos objetivos propostos, o evento promoveu “o compartilhamento de saberes e a escuta das comunidades indígenas, tradicionais, acadêmicas e da sociedade civil, bem como a escuta das necessidades das comunidades originárias e tradicionais que trazem consigo a voz da Mãe Terra e o diálogo dessas vozes com os diversos setores da sociedade, a academia e o governo.”

A Coordenadora do “Programa Harmonia com a Natureza das Nações Unidas”, Maria Mercedes Sanchez esteve presente no evento e, em seu discurso no auditório da Universidade Estadual de Santa Cruz mostrou como a adoção dos direitos da Natureza proporcionou uma visão plural integrada da vida em harmonia com a natureza capaz de transformar o conjunto de leis centradas nas tradições jurídicas instituídas pelo pensamento ocidental hegemônico que separa os seres humanos do mundo natural.

Reconhecimento jurídico

No sentido de explicitar o potencial desse movimento instituinte, Sanchez afirma que “na última década, cerca de 40 países reconheceram os Direitos da Natureza através de mais de 300 leis” e que esses direitos “são agora reconhecidos em vários sistemas jurídicos, incluindo aqueles baseados na tradição do direito civil, no direito misto e direito consuetudinário. Além disso, as visões de mundo e cosmogonias dos povos indígenas foram reconhecidas no direito constitucional e internacional.”

Esse debate mobilizador marcado pela pluralidade de sentidos em torno da construção de um futuro sustentável firmou-se ancorado na ancestralidade dos povos originários e comunidades tradicionais. Acontecimentos como o 2º Fórum dos Direitos da Natureza lança pontes entre saberes diversos e confluentes que se encontram em uma bacia semântica de linguagem plural e destino comum.

Carta da Transdisciplinaridade

Um novo mundo demanda um novo olhar capaz de perceber a vida como uma teia e cada ser vivo como um ponto de sustentação. A ecologia de saberes somente será construída pela horizontalidade na relação de múltiplos saberes ou ainda, como dispõe a Carta da Transdisciplinaridade, precisamos reconhecer que não existe um saber privilegiado capaz de legitimar outros saberes.

Para Ilya Prigogine, autor da chamada Teoria do Caos “a criatividade humana é um prolongamento da criatividade de toda natureza” e somente pelo reconhecimento da natureza como matriz, nutriz e motriz da vida podemos superar a atual crise planetária e criar juntos outras formas de viver orientadas pelo sentido de pertencimento ontológico ao planeta Terra – casa comum de todas as comunidades de vida.

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Vera Lessa Catalão
Coordenadora do Bem Viver e dos Direitos da Natureza

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